daniel senise

exposição magnifíca desse artista carioca
na estação pinacoteca.

sofá de curvim branco

um dia eu ganhei da minha mãe um conjunto de canetinhas sylvapen.
na época o rodrigo e o giovanni, meus primos, moravam em casa.
seus pais tinham ido passar uma temporada na europa e deixaram
os rebentos para minha mãe cuidar. eu devia ter uns 4 ou 5 anos e eles 6 e 7.

no salão havia um lindo, imenso e curvo sofá de curvim branco.
eu tive a idéia e chamei os dois, sentamos os três em frente ao sofá
com as canetinhas nas mãos e começamos a obra de arte.
pintamos tudo, todas as curvas, o assento e o encosto.
acho que minha mãe chorou.

a minha querida amiga de infância

a silvia foi minha vizinha de frente na barão de tefé. descobrimos uma boa parte da vida juntas. até hoje eu lembro dos namoricos, das viagens, das sessões de jogatina na casa dela - jogávamos yam, scotland yard, todas as espécies de jogo de baralho: 21, poker, buraco, tranca, cacheta, king. eu ia embora de madrugada e era só atravessar a rua que eu estava em casa. aí um dia eu cresci, ela cresceu. e nunca mais a gente brincou juntas.

sobre comprar e dar

eu tenho uma amiga que tem um guarda-roupa do tamanho de seus braços esticados. nada mais. o meu guarda-roupa acho que é do tamanho dos braços esticados do cristo redentor. eu gosto de comprar roupa, adoro porque me sinto renovada. como um banho. mas de vez em quando dá uma certa culpa, ou um abuso por ter tantas peças empilhadas. aí eu começo a operação desapego. e eu adoro. é um dos melhores momentos do ano. parece que estou revendo meus próprios valores. sim, roupas para mim são conceitos.

memórias de um cabo de vassoura

lembro que esse foi um dos primeiros livros que eu li para a escola. lembro que adorei. foi a minha iniciação na série 'biografias'

a morte

hoje morreu a mãe de uma amiga. e eu estou sentindo todas as dores da partida.

por que ter um blog?

para aliviar um pouco essa necessidade de escrever que é quase fisiológica. e que faz com que cada dia tenha uma paleta de cor diferente. porque escrever é como pintar. tem textos que são pretos, outros liláses, outros roxos e amarelos, ou ainda magentas e laranjas. por isso que eu tenho um blog. para brincar com as cores.

sou uma pergunta

"quem fez a primeira pergunta?
quem fez o mundo?
se foi Deus, quem fez Deus?
por que dois e dois são quatro?
quem disse a primeira palavra?
quem chorou pela primeira vez?
por que o Sol é quente?
por que a Lua é fria?
por que o pulmão respira?
por que se morre?
por que se ama?
por que se odeia?
por que há o som?
por que há o silêncio?
o tempo?
o espaço?
o infinito?
por que eu existo?"

parte de uma crônica de Clarice Lispector, publicada na Descoberta do Mundo.

a pérola da ostra

meu professor é o rui. ele é tão dedicado à prática e ao conhecimento infinito da yoga que me encanta. cada aula ele traz uma pérola nova extraída de seu oceano de estudos. ele vive yoga e nos transmite essa vida aos poucos em assanas (posturas). as suas palavras têm o poder de esticar meu corpo e expandir minha alma. hoje ele me ensinou que a luz está sempre dentro; o foco está fora e é a gente que escolhe. qual é o meu foco? essa é a grande pérola da ostra. namastê.

rocknrolla

guy ritchie. filme inglês. humor inglês. sotaques vários. vale a pena ver de novo.

os biógrafos

escrever biografia é um dom específico, como um físico quântico, um documentarista ou um engenheiro mecatrônico. às vezes a pessoa escreve bem, mas não sabe escrever fofoca. sabe descrever paisagens, sabe propor reflexões incríveis ou navegar por um universo imaginário maravilhoso. escrever biografias ou captar imagens reais, sem ensaios, é quase um jornalismo.
uma fronteira entre a vida como ela é e a vida como se floreia.

talvez por isso eu me identifique. acho que vou escrever uma biografia.
alguém se candidata para o papel principal?

a vida dos outros

sempre gostei de biografias. quando vou na livraria me dirijo logo à seção dos biografados e procuro uma novidade. a gerente, que já me conhece - naturalmente afinal gasto boa parte dos meus suados reais em seu domínio - me indica um novo livro, uma nova personagem.

ontem fiquei bem feliz porque trouxe para casa o john lennon. livrão. daqueles que ficam parados em pé. quando é assim, é melhor porque aí você sabe que a vida da pessoa teve assunto.

ler a vida dos outros me faz pensar na minha. sempre.
e lembrar da frase de um amigo meu: quem gosta de biografia, gosta de fofoca.
taí, adoro uma longa e bem-escrita fofoca.

bruxa boa

um dia a bruxa boa me falou umas coisas e eu acreditei.
até hoje, cerca de 100 milhões de anos depois, preciso fazer esforço para me lembrar.

bruxa má

um dia a bruxa má me disse umas coisas e eu acreditei.
até hoje, cerca de 100 milhões de anos depois, preciso fazer esforço para esquecer.

Lakshimi

Deusa indiana da beleza e da prosperidade. Elas segura quatro objetos em suas mãos: uma flor, uma corrente, um livro e um disco dourado. São símbolos que representam graça, beleza divina, riqueza - em todas as suas formas - conhecimento, liberdade e poder de destruir o mal. Viva Lakshimi.

uma lágrima

uma lágrima:
água com sal que sai do olho com véu.

drink

tem dias que a tristeza é maior que vida que é imensa e nos bebe inteiros, em um só gole.

sobre escrever

"às vezes tenho a impressão de que escrevo por simples curiosidade intensa. É que, ao escrever, eu me dou as mais inesperadas surpresas. é na hora de escrever que muitas vezes fico consciente de coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia."

clarice lispector

glub, glub

estou na imensidão da folha em branco. uma imensidão que parece que vai me engolir.

perfume

aí um dia cheguei em casa da escola e me tranquei no banheirão. um banheiro enorme todo de mármore com um espelho imenso. lá era o meu teatro, eu atuava vestida com as roupas da minha mãe ou da minha irmã. a banheira era meu palco e o espelho, meu público.

pois bem, no banheirão vivia uma rosa vermelha de veludo, solitária num vasinho de cristal.
eu sempre cheirava a rosa e sempre me frustava porque ela não tinha cheiro. ao lado da rosa morava o perfume da minha mãe, um perfume francês, caríssimo (isso eu soube depois) que ela mandava vir da europa (também só soube depois).

pois bem, nesse belo dia eu - tsssshhhhhh - borrifei quase metade do frasco do perfume na rosa.
e desci as escadas correndo, toda orgulhosa, para mostrar minha grande invenção para a minha mãe. ganhei a primeira grande bronca da minha vida!

dona hilda

minha primeira professora no Externato Assis Pacheco era a dona Hilda. não lembro muito das suas aulas mas não esqueço de seus cabelos: pareciam um capacete marrom escuro, muito armados e com um cheiro forte de laquê. ou um bolo de noiva de chocolate. não tinha um fio fora do lugar. dona hilda fazia os cabelos todos os sábados. isso eu fiquei sabendo pela mãe da Adriana Krause que a encontrou no salão. sempre me perguntei: será que ela só lava o cabelo uma vez por semana?
a vida se desenha agora, um traço contínuo que envereda os destinos.

para minha semana

que eu tenha concentração e tranquilidade para desenvolver meu trabalho de forma fluída e criativa. que meus textos inspirem meus leitores.

mario quintana

o silêncio é um espião.
caramujo é uma espécie de minhoca que já vem com casinha.

santiago

um primor do cinema nacional. ato de coragem do diretor em se expor. ato de generosidade da personagem em se revelar.

hai cai antigo

um minuto ou dois de reflexão.
um minuto ou dois de melancolia.
e o que eu mais sinto é a falta que você não me faz.

mudanças

sempre gostei de mudar. lembro que quando era pequena admirava a tia milly, minha madrinha, porque ela já tinha mudado de casa 27 vezes. achava aquilo o máximo. cada casa nova é um motivo de festa, de inauguração. cada casa velha, motivo de festa bota-fora.

na minha família, pelo contrário, havia uma certa previsibilidade que me entediava à beça. mamãe morou na mesma casa por 40 anos e se não tivesse sido praticamente obrigada a se mudar, ainda estaria lá até hoje.

quando cresci, segui um pouco o caminho da tia milly e me mudei várias vezes. onze no total. mas há uns dois anos veio dando uma vontade de assentar, a vontade cresceu e agora, daqui um mês mais ou menos, me mudo para o apartamento que comprei com meu marido.
agora a cigana tem que encontrar outro jeito de se mudar.

biodiversidade

um dos dias mais felizes da minha vida foi quando meu pai me deu duas gatinhas. a catarina e a brigitte. eu vivia com elas para cima e para baixo. nessa época minha casa parecia uma amostra do jardim zoológico: duas gatas, um mico que meu irmão trouxe da bahia, uma cachorrinha que minha tia deixou com a gente por uns tempos e que foi ficando pra sempre, uma fox paulistinha que já era nossa, dois periquitos, um papagaio e uma tartaruga... me sentia parte deles.

escrever para as bonecas

quando eu era pequena, adorava colocar minhas bonecas enfileiradas, para me verem escrever numa lousa grande. depois de rabiscar não sei o quê, me voltava para elas e dava aula, explicava os garranchos, dava broncas, mandava fazer lição, dava castigos, enfim, já nasci com essa insuportável mania de mandar.

frase da semana

"se o amor da sua vida te traiu e você está pensando em se jogar da janela, lembre-se você tem chifres, não asas."

cofre

hoje fui na telha norte comprar torneiras, chuveiros, sifões, flexíveis, válvulas, ducha sanitária, vaso sanitário, pia, cuba entre outros itens tão sexies como esses. gastei uma pequena fortuna. agora já posso dizer que meu apê tem cofre: os reais estão escondidos nas paredes.

suria namaskar

são onze posturas que mudam a vida. você pratica todos os dias e parece que tudo se encaixa, articulações, músculos, tendões, tensões e atenções. é também chamada de 'saudação ao sol'. eu digo que é uma saudação ao sol que vive dentro de nós. suria namaskar tira as nuvens da nossa vida.

cabelereira

sempre tive mania de cabelo curto. todas as bonecas que eu ganhava, cortava os cabelos, a la mia farrow no "bebê de rosemary". um dia minha mãe me deixou na casa da minha prima por algumas horas. fiquei brincando num quartinho sozinha até que me deparei com uma grande tesoura. não tive dúvida: me tranquei no banheiro e passei a tesoura no meu chanelzinho. saí de lá o próprio bebê da rosemary, um terror!

30 mil kms de canos

tenho um amigo há quase 30 anos. um amigo que me dá uma imensa tranquilidade e serenidade de poder supor a existência de uma certa permanência das coisas. há 30 anos ele combina almoços, jantares, conversas e fura. há 30 anos diz que vai mudar. semana passada me deu outro de seus famosos canos. na semana que vem ele vai mudar, promete.

inspiração

A saudade é uma espécie de velhice. como já disse Guimarães Rosa.

recado no telefone

uma vez eu me casei. outra vez morreu minha irmã. terceira vez eu recebi um recado na secretária eletrônica da irmã da minha mãe: estou ligando para te dar os pêsames, um abraço para você e outro para o seu marido que eu não sei o nome, pois não fui convidada para o casamento.!" fim.
detalhe eu convidei todos os meus tios para o meu casamento.

tia luzia

morreu sozinha.
brigada com todos os filhos.
só uma nora que no final da vida ia visitá-la no asilo.
the end

algodão

eu tinha uma tia, irmã da minha avó, que volta e meia passava uma longa temporada na minha casa. eu como era a caçula, não tinha outra escolha a não ser ir para o chão. dormir no colchão aos pés da cama onde ela dormia. na verdade, ela não dormia, ela roncava. a expressão 'dormia feito um anjinho' definitivamente nunca ornou com ela.

bastava deitar seu corpanzil na cama - era gorda - que já começava o rufar das trombetas anunciando a Ópera do Pesadelo. eram noites pavorosas. e se eu não gostava dela de dia, o que dirá à noite.

tia Luzia tinha uma espécie de adoração pela minha mãe. era italiana, como minha avó Assumpta e todas as suas irmãs, Argia, Anita e Fifina. ela gostava de tricotar e nessas temporadas na barão de tefé, que duravam uns 4 meses, ela não parava nenhum único instante de tricotar, falar mal do ex-marido, dos filhos, dos parentes, de comer e de roncar.

um belo dia, eu tive uma idéia - que na época me pareceu genial - peguei dois tufos de algodão e coloquei dentro do ouvido para abafar um pouco o solo da soprano. dormi melhor. no dia seguinte pela manhã, acordo e desço para tomar o café. lá está ela ao lado da minha mãe, as duas com cara de enterro. no que ela diz para mim: - estou muito magoada com a sua atitude. eu fiz cara de não entendo, ela continuou - pegar um algodão para colocar no ouvido, para não ouvir meu ronco? eu respondi que era difícil dormir com ela. ela fez as malas e foi embora.

eu fiquei tão feliz. foi mesmo uma idéia genial!

domingo feliz

receita de um domingo feliz, um pouco de poesia na rotina. uma comida especial. uma toalha de mesa mais bonitinha, taças de champagne, champagne, spaguetti integralli barilla ao molho de lulas, camarões, alho poró e hortelã. raspas de limão siciliano para temperar. guardanapos de pano para enfeitar. salada fresquinha para começar. uma bola de sorvete de limão para encerrar.
a felicidade é feita no dia-a-dia. nunca é amanhã. felicidade é aqui e agora. namastê. boa semana a todos.

cleo

na minha casa moraram 17 pessoas fora a família. parentes vindos de minas só por uma temporada. um deles, meu primo Carlos Marcelo, veio fazer pós na Escola Paulista de Medicina, mas o que ele gostava mesmo era de ler gibi e de vigiar as vizinhas da frente: a marta e a bia atrás de um binóculo.

Teve também a cléo, irmã dele, muito bonita e atormentada na mesma medida. Eu, que era raspa de tacho, uns quinze anos mais nova do que eles, era fascinada por ela. Estávamos em pleno anos 70. Ela se vestia com longos kaftas bordados, coloridos. Nos olhos, delineadores de todas as cores e cílios postiços.

Um dia ela entrou no banheirão, sim minha casa tem um banheirão todo de mármore, com box redondo para o chuveiro, banheira, pia e vaso sanitários pretos e azulejos cor-de-rosa. pois bem, cléo não saía daquele banheiro e eu espiando pelo buraco da fechadura, abraçada na minha boneca. até que ela abriu a porta chorando dizendo que ia morrer. tinha cortado os pulsos.
desci correndo para chamar a minha mãe.

alvoroço. corre-corre. depois veio a notícia que a cleo estava bem. ufa! a minha musa sobrevivera à sua loucura. mas não por muito tempo. morreu cedo a cleo, aos 44 anos, de um aneurisma.

empacotadora na sears

rua barão de tefé. perdizes ou água branca. ao lado do parque antártica e na rua da antiga sears, onde arranjei meu primeiro emprego. fui empacotadora na seção de brinquedos na época do natal. o dinheiro que juntei, usei nas férias em Águas de São Pedro e trouxe presentes para todos em casa.

no começo não sabia fazer pacotes muito bem. a minha canhotice me atrapalhava. mas as senhoras consumidoras eram boas comigo, me ajudavam. no final do mês eu já estava craque. comecei até a inventar laçarotes. meus pacotes ficaram lindos.

rua barão de tefé. perdizes. minha mãe morou lá 40 anos. até que um dia, um ladrão acabou com seu castelo e ela, rainha que era, começou a murchar. arrancaram a página do 'feliz para sempre'.

onde foram parar as minhas bonecas?

hoje eu acordei com a memória imensa. uma fenda de lembranças que correram feito rio caudaloso. a rua onde morava com meus pais virou comercial. todas as casas - da dona adélia, da dona maria tereza, da lúcia, viraram restaurantes. a da minha mãe também está prestes a virar.

antes de alugar para esse novo inquilino eu fui ver a casa. fazia uns 7 anos que eu não pisava por lá.fui numa quarta-feira hora do almoço com o Sérgio e encontramos os dois corretores.

eles estavam com as chaves, entregues pelo antigo inquilino. é engraçado você não ter as chaves da sua própria casa. abriram o portão e entramos com o carro. de cara, eu vi as memórias em fila. as tantas pessoas que moraram lá, a minha mãe em seu atelier de costura, as empregadas desfilando seus afazeres, eu brincando de música com as panelas e de professora com as bonecas. existem tantas vidas em uma mesma vida.