Gita

Às vezes você me pergunta
Por que é que eu sou tão calado,
Não falo de amor quase nada,
Nem fico sorrindo ao teu lado.
Você pensa em mim toda hora.
Me come, me cospe, me deixa.
Talvez você não entenda,
Mas hoje eu vou lhe mostrar.
Eu sou a luz das estrelas;
Eu sou a cor do luar;
Eu sou as coisas da vida;
Eu sou o medo de amar.
Eu sou o medo do fraco;
A força da imaginação;
O blefe do jogador;
Eu sou!... Eu fui!... Eu vou!...
Gita! Gita! Gita!
Gita! Gita!
Eu sou o seu sacrifício;
A placa de contra-mão;
O sangue no olhar do vampiro
E as juras de maldição.
Eu sou a vela que acende;
Eu sou a luz que se apaga;
Eu sou a beira do abismo;
Eu sou o tudo e o nada.
Por que você me pergunta?
Perguntas não vão lhe mostrar
Que eu sou feito da terra,
Do fogo, da água e do ar!
Você me tem todo dia,
Mas não sabe se é bom ou ruim.
Mas saiba que eu estou em você,
Mas você não está em mim.
Das telhas eu sou o telhado;
A pesca do pescador;
A letra "A" tem meu nome;
Dos sonhos eu sou o amor.
Eu sou a dona de casa
Nos pegue pagues do mundo;
Eu sou a mão do carrasco;
Sou raso, largo, profundo.
Gita! Gita! Gita!
Gita! Gita!
Eu sou a mosca da sopa
E o dente do tubarão;
Eu sou os olhos do cego
E a cegueira da visão.
Eu!
Mas eu sou o amargo da língua,
A mãe, o pai e o avô;
O filho que ainda não veio;
O início, o fim e o meio.
O início, o fim e o meio.
Eu sou o início,
O fim e o meio.
Eu sou o início
O fim e o meio.

o início, o fim, o meio

fui na pré-estréia do documentário do Walter Carvalho sobre a história do Raul Seixas. foi no cine Marabá, na Ipiranga. chegamos um pouco atrasados e na porta, uma multidão de fãs e covers. passei por vários rauls, alguns cantavam músicas, outros carregavam faixas: raulzito não morreu. tinham motos, um caminhãozinho, parecia um daqueles encontros anuais de covers do Elvis, que acontecem no meio-oeste americano. um acontecimento no centro de São Paulo.

entramos e as salas estavam lotadas. convidados por todos os lados, nas cadeiras, no chão, em pé.

o documentário é uma preciosidade.

uma edição vertiginosa mostra a trajetória do baiano que morreu
aos 45 anos, acabado em álcool, cocaína e éter.
mas enquanto viveu foi uma potência visceral.
uma força da natureza, como foram janis, jimi hendrix, jim morrison.

raul era rock.
raul era puro. 
desde menino, já tinha atitude e topete de star.
tinha cheiro de flor, como disse uma de suas mulheres.
cheirava doce, disse a outra.
só bebia para compor, contou um parceiro.
o outro - paulo coelho - afirmou que o maior parceiro do raul foi o próprio raul.
caetano falou e tocou lindamente.
paulo coelho foi corajoso e generoso em suas palavras.
nelson motta foi delicado, como sempre.

raul - o início, o fim e o meio, traz à tona uma questão que emerge nos tempos atuais: em um mundo marcado por celebridades fakes, por falta de substância e força, relembrarmos pessoas de verdade soa como uma volta à vida com real entrega, com intenção, com criatividade. uma vida com propósito, sem Big Brothers, sem celebridades instantâneas.

raul era de verdade. e que saudades que dá de pessoas de verdade.
elas não morrem.



haicai_

infância

um gosto de amor
comida com sol. a vida
chamava-se 'agora'

guilherme de almeida

domingodelícia

acordei às 9h30. tomei café. desci com a nina. voltei. sergio estava pronto. saímos. hoje é nosso dia de andar a pé pela cidade. o itinerário estava na cabeça: instituto tomie otahke para ver a exposição '10 primeiros anos' com uma mostra dos artistas que foram expostos nos 10 primeiros anos do instituto. de lá, subimos a rua dos pinheiros até a brasil, entramos por umas quebradas e subimos a augusta. nosso destino era o MASP. fomos ver a exposição de Roma. estava lotada. demos uma olhada rápida e saímos em direção ao Instituto moreira salles, na rua piauí. vimos uma bela exposição da mira schendel e finalmente depois fomos almoçar no pobre juan. um delicioso restaurante de carnes ali de higienópolos.
depois do almoço andamos por mais meia hora. o céu começou a ficar escuro, trovões. pegamos um taxi e chegamos em casa às 17h. andamos quase 15 km. foi uma delícia. me curou de uma porção de maus pensamentos. me curou de uma semana só sentada. andar é a mais incrível forma de meditação.

sem gasolina

crônica de uma cidade.

saí de alphaville às 12h15 depois de uma reunião longa e improdutiva. peguei o carro e voltei correndo para SP pois tinha almoço com uma amiga. no meio do caminho percebi que estava com pouquíssima gasolina, mas como não vi um posto na estrada continuei (e como estava perto de São Paulo, com certeza o combustível daria até chegar num posto). estava com o ar-condicionado ligado e o CD do Chico no som. cantava loucamente quando entrei na marginal, aí apareceu a visão do inferno: tudo parado. digo, tudo absolutamente parado. milhões de carros enfileirados. sem saída. sem horizonte. sem solução. estava presa num turbilhão de metal e motores. foi quando olhei para o marcador de gasolina. o nível havia caído absurdamente. estava na parte debaixo da linha que demarca a parte final da reserva. e eu ali. desliguei o ar, baixei o som e fiquei imaginando possibilidades tenebrosas.

e se acabar a gasolina agora? o que eu faço?

não tem posto, não tem rua, não tem calçada, não tem acostamento. abri a janela. vi um monte de vendedores. fiquei com um pouco de medo. subi o vidro, deixando só uma frestinha. comecei a suar. suar e imaginar o fim total da gasolina. eu andando de salto alto e vestidinho no meio da marginal.

cadê o posto?

a fileira de carros andou um pouquinho. uns dois metros, calculei. só primeira. jamais segunda ali. suei mais, sofri mais. resolvi respirar um pranaiana. yoga sempre ajuda. andamos mais um pouquinho. nada significante. depois de meia hora parada, andamos vagarosamente. vi um posto!!!
do outro lado. fiz uma reviravolta increivel, consegui abrir espaço entre os carros e chegar. nossa que alívio! embiquei ao lado da bomba, absurdamente relaxada.  abri a janela e pedi para ele colocar apenas 20 reais de gasolina.

desculpe, moça, mas estamos sem gasolina.
e álcool?
nada, não temos nada.
moço, peloamordedeus, eu preciso nem que seja de dois litros.
não temos, moça.
onde tem outro posto?
ali na frente mas também está sem gasolina. agora só depois da Ponte da Eusébio Matoso.
mas, moço, nós não chegamos na ponte do jaguaré ainda! pois é!,
a culpa é do Kassab!

saí de lá resignada e fui até o outro posto. na praça panamericana. nada de gasolina. mas pelo menos eu havia saído da marginal. o meu drama máximo, minha pior imagem mental, de andar por entre os carros de salto alto e vestidinho tinha acabado. naquela altura, mesmo que a gasolina acabasse, eu estava no meu território.

consegui chegar num posto onde tinha álcool. abasteci e cheguei no meu escritório 40 minutos
depois do marcado. fui almoçar ainda esbaforida.
à noite eu estava exausta. cheguei em casa ainda mal com essa experiência.
um dia normal numa cidade que é absolutamente insana.

papo de criança

o filho de uns amigos meus foi ao oftalmologista com os pais.
ele tem 3 anos e meio e o médico tem duas filhas que estudam na mesma escolinha dele.

ao final da consulta o médico vira para ele e fala:

- "você está um rapaz muito bonito, hein Mateus!"

ele ficou todo contente, 'se achando'.

médico continuou:

- "eu estou de olho em você com as minhas filhas, viu!, olha lá! eu estou de olho"

no que o Mateus vira e dispara:

- "e eu estou de olho em você com a minha mãe.!"

desconcertou todo mundo, o médico, minha amiga e o marido.
[nota: minha amiga disse que o médico nunca esticou os olhos para ela]