tio quito e giovani

memórias são engraçadas. não sabemos até que ponto são imaginadas, frutos de uma vontade de ter histórias legais para contar ou se são de verdade. isso posto, vou contar uma cena que presenciei e que até hoje é visitante assídua do meu hipocampo (parte do cérebro que guarda as memórias).

estava em Divinópolis, lugar meio mítico para mim, pois era terra do meu pai, eu ia muito pouco e lá viviam tios, tias, primos e primas charmosos, interessantes, falantes e que me paparicavam o tempo todo. pois bem, estava na casa do tio quito e da tia conceição. ele, médico, era irmão de meu pai. ela, mulher dele.

eu jogava cartas com giovani, rodrigo e outros que não lembro mais. era uma mesa redonda, de madeira de lei bem pesada, só que o pé estava meio quebrado, então tínhamos que ter cuidado.
jogo vai, jogo vem, algum de nós fez um movimento brusco e, num piscar de olhos, a mesa virou para o lado do giovani e bateu na cabeça dele. imediatamente ele começou a berrar e quando olhei,
vi uma cratera aberta em seu crânio. se fosse desenho animado, logo sairiam de lá bichinhos falando um texto ou cantando. mas não era desenho e o giovani chorava desesperadamente. tio quito apareceu com uma seringa extraG com um líquido branco e - pum - enfiou dentro da cratera. a empregada apareceu com umas bandagens que enrolaram em torno do crânio e o levaram imediatamente para o hospital.

ficamos lá, de boca aberta, sem falar nada.
logo os adultos apareceram oferecendo passeios, bolos, biscoitos e outras distrações. mas ficamos lá parados, meio catatônitos, tentando ouvir atrás da porta para ver se tinha alguma novidade.

será que foi culpa de algum de nós em particular ou de todos nós, de uma forma geral? será que o giovani vai morrer? será que ele vai ficar meio bobo? o que será que vai acontecer comigo? vou voltar para são paulo?

algum tempo depois, giovani voltou, com a cabeça toda enfaixada e abraçado ao tio quito.
ele foi se deitar. e alguns dias depois já estava brincando.

hoje lembrando, fico pensando será que o buraco era mesmo uma cratera?
será que a seringa era mesmo extraG?
que a história é verdade, não tenho dúvidas. o que não sei é o tamanho dela. 

simonga

quando eu era pequena, sofri nas mãos dos meninos da escola. sempre fui meio mandona, o que me trazia uma porção de amigos e um bocado de inimigos. era passional, cheia de opinião e ao mesmo tempo de uma baixa autoestima assombrosa. qualquer coisa que falavam de mim - ou achava que falavam - me calava e demorava algum tempo para me autocurar. ficava no meu quarto, olhando para o teto, negociando com meus monstros e botões, até que cansava daquilo tudo, levantava e pronto. passava. mas teve um xingamento (hoje chamam de bullying) que eu nunca esqueci.

estava na aula de educação física correndo em círculos em volta da quadra esportiva. era aula só das meninas, os meninos ficavam olhando ou fazendo qualquer outra atividade que não me lembro. o fato é que nesse dia, eles estavam enfileirados olhando e mexendo com todas as meninas que passavam na frente deles. só na antecipação de alguma coisa ser dita para mim, fiquei tão nervosa que fui para o chão. caí, assim, bem na fuça deles, totalmente entregue ao medo e à aflição. pois nesse exato instante da queda, ouvi do meu maior inimigo: Simonga, Simonga!!!! eu me paralisei.

por muitos anos, não me esqueci dessa história. vira e mexe aparecia a cena do Isnard (o nome do inimigo) e sua voz berrando no meio da escola e todos os outros meninos morrendo de rir.

até que....

muito anos depois, trabalhava numa agência que eu adorava. gostava de todos os meninos da criação, meus companheiros de muitas campanhas, muitas noites mal dormidas, muitos chopps no Filial. pois bem, um deles, o Fábio Cardoso (um dos meus preferidos), carioca, boa praça, rápido na voz e nos vocabulários engraçados, contou uma história de uma namorada dele que se chamava Simone e que era tão burrinha, mas tão burrinha (apesar de lindinha) que ganhou o apelido de Simonga. quando eu ouvi, imediatamente, uma luzinha vermelha acendeu dentro de mim.

perguntei: mas ela não ficava triste?
ele: ela??? imagina!!!! ela morria de rir!!!

caí numa espécie de gargalhada histérica.
hoje tenho certeza que foi naquele instante que me curei.

a nova revolução industrial

os gurus das mídias digitais afirmam: a tecnologia e a internet se apresentam como a nova revolução industrial e tudo o que estamos vivendo - T-U-D-O - está em transição. ainda não sabemos para onde vamos, ainda não delineamos as fronteiras dessa nova sociedade que está nascendo. assisto a várias palestras do TED, leio artigos, pesquiso na internet. sou encantada com a mudança. sou um ser mutável, gosto de me adaptar, de descobrir novas formas de fazer o mesmo. o mundo está melhorando, disso eu não tenho dúvida. o que eu não sei é quando essa fase de transição vai acabar. será que ainda teremos uma certa estabilidade? ou permaneceremos sempre nessa areia movediça da transformação?

o poderoso chefão

o sérgio ganhou a caixa do poderoso chefão em bluray. que delícia. 9 horas de filme que assistimos em três dias. o conjunto da obra deu força a cada um dos filmes, ao coppola, à interpretação do al pacino. e me fez ver a magnitude da obra, a reconstituição de época, o roteiro. me fez pensar na visão romântica da máfia. sua ética, seus códigos de honra, suas condutas.

"traiu, morreu."
"família, sempre, em primeiro lugar."
"drogas, não é negócio para as famiglias."


o mundo se desromantizou muito depois desses filmes. os bandidos mudaram muito, hoje estão em todos os lugares. os códigos de ética entre eles também se transformaram. quem é a máfia hoje?
quem são nossos poderosos chefões?

goethe

"a flor é uma folha louca de amor"

guapé


Esse fim de semana fomos para Guapé, sul de Minas, terra da minha mãe. Na verdade é a cidade onde ficava a fazenda do meu avô - hoje com meu tio. Fica na região de Furnas. Nós fomos para uma festa de família - 86 primos - que se reuniram para celebrar. Vieram pessoas do Rio de Belo Horizonte, Campinas, São Paulo. Tudo correu muito fluido, muito leve. Eu não lembrava de Guapé,fazia uns 30 anos que não aparecia por lá. E fiquei muito feliz de ver a terra que é parte da minha história.