em uma conversa com amigos

Fiquei imaginando o que aconteceria se, um belo dia, meu terapeuta chegasse na minha sessão e falasse:
- 'Hoje quem fala aqui sou eu. Você fica quieta e me escuta."

E ele começa a falar da vida dele, das questões que o perturbam, dos fatos da sua vida, das emoções turvas, sentimentos que estão debaixo do tapete.

Eu mudo de lugar com ele. Escuto e pontuo. Escuto e pondero.

.....



black friday

vi na TV uma matéria sobre a loucura da Black Friday, aquele dia nos EUA em que as lojas dão "descontos arrasadores" (como diriam suas próprias vitrines). de fato é um fenômeno, até 90% de descontos em alguns produtos. o que me leva a pensar que esses 90% são gordura, não é mesmo?
afinal ninguém vende abaixo do custo, a não ser em caso de beira de falência. como não era o caso, as lojas deram desconto da gordura, ficando com, no mínimo, o preço de custo... não precisa ser nenhum gênio da economics para entender essa regrinha... noves fora... enfim.

isto posto, fiquei observando as expressões dos americanos que passaram a noite em barracas para poder pegar o primeiro lugar na fila. sim, o consumo é um pop star e, por ele, tem gente que vara a noite em pé, no frio, com fome, com vontade de fazer xixi, só para chegar perto daquele forninho elétrico que também é despertador ou daquela calça jeans que tem a boca bem larga (ou bem justa). isso sem falar na cara das pessoas quando as portas abriam e uma avalanche - literal - escorria para dentro da loja.

uma dessas pessoas era uma mulher que levou com ela um spray de pimenta e não hesitou em borrifar o gás nos olhos dos outros consumidores que - inadvertidamente - se colocaram entre ela e seus objetos de desejos. "ah, quer essa TV Full HD? pode sair para lá, pois a TV é minha!" e shssss, tacou pimenta nos olhos alheios. isso aconteceu em um dos Wal Mart de Los Angeles.

incrível. eu fiquei com essa história na cabeça.
esse fato é de tamanha importância sociológica.
que mundo é esse afinal?
será que vivemos em uma grande sexta-feira negra?

e o sábado de sol, quando chega?

estou lendo

o velho que lia romances de amor, de luiz sepúlveda

ensaios, de truman capote

o feminino e o sagrado, de beatriz del picchia e cristina baliero.

um fala sobre a amazônia, é um romance.
outro fala sobre new orleans, new york, los angeles, EUA, é um ensaio.
o terceiro aborda uma pesquisa que duas mulheres fizeram com outras mulheres que abandonaram o conforto de suas vidas para se lançarem no desconhecido, em suas buscas com o sagrado.

três livros, três estilos.
uma leitora.

sou a que gosta de literatura,
sou a que gosta de jornalismo
sou a que gosta de psicologia.

às vezes é difícil se concentrar com tantos gostares.

montanha-russa

meus sentimentos sobem e descem. sinto frio na espinha, frio no estômago, calor no coração, calo no pé. tudo junto. tudo ao mesmo tempo. lembro que já ouvi em algum lugar que quando a gente vai ficando mais velho essas emoções vão amainando. mentira. deslavada. vivo aos 47, como se tivesse 14. um imenso desconhecido se abre à minha frente. uma sala de névoa densa, que tenho que entrar. sou obrigada. e aí quando percebo, estou sentada num carrinho de montanha-russa, e os motores começam a girar e logo estou num labirinto vertical. vou para cima e logo estou embaixo. fico um pouco tonta. onde foi parar meu algodão-doce?

um texto que escrevi a 18 anos atrás


11/agosto/93

A folhinha virou. Estamos no segundo semestre.
O país da inocência perdida está confabulando sobre os grandes e velhos temas nacionais: inflação, futebol e fome.
Às vésperas da provável queda de mais um Ministro da Fazenda, os cheques especiais se tornam a grande vedete da classe média.
Juros por Deus, isto tem que acabar.
Sim, porque por estas bandas, o mês dura mais que o salário.
Por estas bandas, tiros desumanos de uma polícia idem matam crianças que nunca ouviram falar em salário, em pais e, muito menos em país.
Por estas bandas, a ditadura militar deu lugar à ditadura econômica, aquela que censura sobrevivência às pessoas.
Por estas bandas, a banda de Chico Buarque já passou e não cantou versos de amor.
Por estas bandas, minha gente, ainda é agosto.
Talvez quando entrar setembro, entrem as boas novas. Talvez.
Por enquanto, o Brasil de todos os santos está esperando por um milagre.
Temos 30 milhões de crianças morrendo de fome. Temos o segundo maior índice de criminalidade do mundo. E um novo Ministro da Fazenda a cada 90 dias.
As pessoas voltam a lotar os estádios de futebol esperando por um renascimento da paixão nacional. O Palmeiras é campeão paulista depois de 17 anos de jejum.
O axé music tomou conta do Oiapoque ao Chuí.
Mas apesar de tudo, a alma do brasileiro sobrevive intacta.
É como se estivéssemos escrevendo a história de uma alegria gratuita.

O sorriso no final de tudo e, apesar de tudo.
O brasileiro perdoa: é um bom cristão.

loja de roupas

ontem entrei numa loja para comprar um casaquinho, desses para os dias mais frescos do verão.
começo a olhar e vem uma vendedora, dessas jovens bem nascidas, crescidas sem limites, e portanto, bem despachadas.
eu me interesso por um, ela pega e separa, enquanto exclama: "ai, esse é tuuuuudo!", eu só olho.
me interesso por outro e separo também. no que ela diz: "esse é um dos meus preferidos, olha que arraso, vou experimentar para você ver." e experimenta e vai para cá e para lá com o casaco, olha no espelho, vira do avesso, olha de novo. tudo isso numa espécie de transe dela com ela mesma.

depois de alguns minutos ela me diz: "eu se fosse você, levava." no que eu respondo: "quem deveria levar é você!, você gosta tanto dele que nem me deu um para experimentar."

;)

eu levei o outro. e deixei aquele para ela.

a crise dos 40

todo mundo falava da tal da crise da meia-idade. mas ninguém avisou
que seria assim tão grande, tão funda.
a alice caiu no poço.
eu caí no poço.
encontro alguns amigos meus lá embaixo.
às vezes conversamos.
outras só olhamos
o coelho que passa com o relógio.
e sabemos que lá dentro, atrás de algumas das portas
estão a rainha vermelha e a rainha azul.
é como a pílula do matrix.
depende da cor que você escolher
sua vida ruma para um lado ou para o outro.
me sinto assim,
com as duas pílulas,
uma em cada mão.

(tcharan, cenas do próximo capítulo.... no próximo capítulo)

dias em branco

... minhas palavras estão indo para os outros.
trabalho, trabalho, trabalho. e assim, em um vocabulário
que não é essencialmente meu
os dias vão passando,
as noites entrando.
vago perdida, ali, fora de mim.

occupy....

o mundo dá sinais de seu cansaço. pessoas invadem as ruas, protestam contra o sistema bancário, contra os bancos e os bônus que os altos executivos ganham. americanos vão para a wall street em marcha de desgosto. europeus vão para as praças, hasteiam suas bandeiras indignadas.

e aqui o que fazemos?
vamos para as ruas contra a construção da Belo Monte?
penduramos bandeiras em protesto à corrupção?
berramos em megafones contra o código florestal?

não.

aqui não fazemos.


como alice....


caí no fundo do poço cheio de portas
qual delas eu entro?

compasso

às vezes o silêncio
às vezes a distância
sinto o vento soprar
e levar com ele alguns acordes
nossa música muda
às vezes sim
saio de mim.

ouço a vida

eu ando nas ruas e ouço carros, ouço pessoas em seus atos e desejos de consumo. ouço filas, ouço  indelicadezas, ouço choros e lágrimas, mas também risadas. aqui e ali. ouço meu coração batucando, ora bem quietinho, silente, como numa bossa nova, ora como num show de rock: alto, intenso. ouço construções sendo erguidas. ouço a música do caetano: a grana que ergue e destrói coisas belas. ouço a cidade mudar, as casinhas irem embora com as velhinhas das janelas. ouço prédios e placas: "breve um dois dormitórios, com uma suite. 52 e 67 m2". ouço minhas reflexões: como alguém pode projetar um dois dormitórios com uma suite em 52 ou 67m2? ouço minhas dúvidas, ouço minhas certezas (essas preciso ajustar o ouvido, senão elas somem de tão baixinhas que estão). ouço a vontade de chegar logo o final do ano para descansar.

quero ouvir o mar.

inspiração

Venham até a borda, ele disse. Eles disseram: "Nós temos medo."
Venham até a borda, ele insistiu. Eles foram. Ele os empurrou...
E eles voaram.

Guillaume Apollinaire

faxina

sempre gostei de fazer faxina. abrir gavetas, mexer em papéis, desvendar armários, roupas, blusas, vestidos que foram felizes mas que não fazem mais sentido, outros que foram tristes e, por mais lindos que sejam, também não fazem sentido ficarem ali, com suas tristezas expostas. fotografias, bilhetes, cartões de visita, de aniversários, de natais, "nunca fomos tão felizes", feliz novo novo, saúde para dar e vender, contas a pagar, contas perdidas, contas injustas, um fio de contas, miçangas de números. estava encarafunchando (será que é assim que se escreve?) algumas gavetas e achei os comprovantes do meu primeiro aluguel. 600 dinheiros. era um apartamentinho na rua capital federal. dois quartos, um escritório e um de dormir. uma cozinhica e uma sala com uma varanda fechada. lembro que fui no ceasa e comprei samambaias, uma porção delas e armei uma rede. ali ficava feliz da vida. brincando com as bonecas da vida adulta. ainda sendo menina, ainda não sendo mulher. nossa quando vi os comprovantes, rapidamente me transportei e lembrei de um dia, um jantar que dei para uns amigos. como éramos todos tão lindos, jovens e alegres. eu era a única da minha turminha que morava sozinha, um avanço. todo mundo ia para minha casa. era um refúgio. muitas vidas se passaram na minha vida. aquele lugar se tornou quase esquecido em mim. até que achei os comprovantes. a vida é engraçada. uma gaveta externa abre mil compartimentos aqui de dentro.