malinha de livros

vai chegando as férias e eu me animo muito. adoro a praia, adoro o final do ano, reveillon, rituais, come lentilha, romãs, pula ondinhas, nem que seja em pulinhos na terra mesmo, visualiza uma vida melhor, um mundo melhor, uma existência mais tranquila. (queria muito ser tranquila e plácida) tem também as distrações das reflexões da existência e que são uma delícia: escolher os biquinis, cangas, shortinhos, camisetinhas, havaianas, chapéus e livros. sim os livros. sempre os livros.

todos os anos é a mesma coisa, eu faço uma mini-biblioteca e preparo uma mala só com eles e um caderno com canetas para as anotações. não é que eu leia todos, não me dou esse tempo, mas é que eles me dão uma espécie de segurança. sem livros eu me sinto muito fora de mim, me sinto perdida.

esse ano minha malinha já está assim:

som e fúria, do Faulkner.
ensaios, do Capote
the private pacient, da PD James
um rio chamado tempo, uma casa chamada terra, do mia couto

esse último, do mia couto, eu escolhi com base no primeiro parágrafo. é que como comprei três livros dele e tinha que escolher apenas um para levar, fiz um joguinho, eu leria o primeiro parágrafo dos três livros, aquele que tivesse mais a ver comigo agora, ganharia.

ganhou um rio chamado tempo... eis o primeiro parágrafo:

a morte é como o umbigo: o quanto nela existe é a sua cicatriz, a lembrança de uma anterior existência. a bordo do barco que me leva à Ilha de Luar-do-Chão não é senão a morte que me vai ditando suas ordens. por motivo de falecimento, abandono a cidade e faço a viagem: vou ao enterro de meu avô Dito Mariano.

(como o primeiro parágrafo me pegou, fui para o segundo e aí não resisti, ei-lo)

cruzo o rio, é já quase noite. vejo esse poente como o desbotar do último sol. a voz antiga do avô parece dizer-me: depois deste poente não haverá mais dia. e o gesto gasto de Mariano aponta o horizonte: ali onde se afunda o astro é o mpela djambo, o umbigo celeste. a cicatriz é tão longe de uma ferida tão dentro: a ausente permanência de quem morreu. no avô Mariano confirmo: morto amado nunca mais pára de morrer.

(essa frase, "morto amado nunca mais pára de morrer" falou fundo em mim)

até o dia 24 eu completo minha malinha.


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