jorge

na minha rua da infância tinha um mendigo chamado Jorge. durante o dia, ele ficava de um lado para o outro, na clássica imagem do homem com uma capa de cobertor. durante o dia, falava com seus demônios particulares, às vezes berrava frases incompreensíveis; outras, ficava quieto, ouvindo um radinho de pilha que ele ganhou de um dos moradores. à noite, arrumava o seu quartinho de dormir, estendia um colchão velho, cobria com  lençol, tirava o cobertor das costas e colocava na cama. ligava o radinho e colocava ao lado do colchão. as comidas que ganhava, colocava do outro lado e ali, dormia.
eu me sentia de certa forma protegida com aquela figura. a existência do jorge me confortava. nem sei bem direito por quê. talvez porque ele era previsível em sua jornada. todos os dias fazia a mesma coisa. me acostumei com o jorge na paisagem da rua barão de tefé. até que certo dia, o Jorge sumiu. ficamos todos preocupados. onde será que ele foi? ouvimos histórias da vida dele contadas pelo sr Zezinho, o vigia. disse que ele tinha sido rico e abandonou família, mulher, filhos, por causa da bebida e depois enlouqueceu. e que a polícia devia tê-lo levado para um abrigo. não sei o que aconteceu. o que sei é
que depois de um mês, mais ou menos, tocou a campainha lá em casa e era o Jorge. pediu um rádio de pilha.

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