algodão

eu tinha uma tia, irmã da minha avó, que volta e meia passava uma longa temporada na minha casa. eu como era a caçula, não tinha outra escolha a não ser ir para o chão. dormir no colchão aos pés da cama onde ela dormia. na verdade, ela não dormia, ela roncava. a expressão 'dormia feito um anjinho' definitivamente nunca ornou com ela.

bastava deitar seu corpanzil na cama - era gorda - que já começava o rufar das trombetas anunciando a Ópera do Pesadelo. eram noites pavorosas. e se eu não gostava dela de dia, o que dirá à noite.

tia Luzia tinha uma espécie de adoração pela minha mãe. era italiana, como minha avó Assumpta e todas as suas irmãs, Argia, Anita e Fifina. ela gostava de tricotar e nessas temporadas na barão de tefé, que duravam uns 4 meses, ela não parava nenhum único instante de tricotar, falar mal do ex-marido, dos filhos, dos parentes, de comer e de roncar.

um belo dia, eu tive uma idéia - que na época me pareceu genial - peguei dois tufos de algodão e coloquei dentro do ouvido para abafar um pouco o solo da soprano. dormi melhor. no dia seguinte pela manhã, acordo e desço para tomar o café. lá está ela ao lado da minha mãe, as duas com cara de enterro. no que ela diz para mim: - estou muito magoada com a sua atitude. eu fiz cara de não entendo, ela continuou - pegar um algodão para colocar no ouvido, para não ouvir meu ronco? eu respondi que era difícil dormir com ela. ela fez as malas e foi embora.

eu fiquei tão feliz. foi mesmo uma idéia genial!

Um comentário:

  1. Simoneta, estou adorando ler suas "crônicas", estão ótimas! Acabo de morrer de rir desta, tb me lembro desses episódios!

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